Quem não gosta de partido é ditadura. Hora de escolher: ou dar as mãos aos skinheads neonazistas ou abraçar a tolerância e a democracia
Mário Magalhães
 
( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
Como
 observado segunda-feira na passeata dos mais de 100 mil, os protestos 
populares em curso constituem terreno de ferrenha disputa política entre
 os próprios manifestantes (leia reportagem aqui).
 O confronto degringolou ontem, na despedida do outono. No país inteiro,
 militantes portando bandeiras, estandartes e símbolos de partidos 
políticos, centrais sindicais, entidades estudantis e movimentos sociais
 foram escorraçados por uma turba intolerante.
Em São Paulo, os 
principais executores dessa modalidade de repressão política foram os 
skinheads, os “carecas” neonazistas. Botaram para correr quem vestia 
camisa vermelha, rasgaram bandeiras de agremiações e arrancaram faixa do
 movimento negro. São racistas e homofóbicos. No Rio, essa turma agride,
 fere e mata gays.
Na Noite dos Cristais, em 9 de novembro de 
1938, a escória nazista atacou os judeus por toda a Alemanha, insuflada 
por Adolf Hitler. No dia 20 de junho de 2013, foi a vez de ativistas de 
esquerda serem o alvo, no Brasil.
Não está em debate o mérito do 
partido X ou Y, no governo ou na oposição, menos ou mais comportado. Nem
 se um sindicato representa dignamente ou não seus filiados. Ou mesmo se
 os imensos protestos resultam de força ou fraqueza de uma ou outra 
sigla _as opiniões são legítimas sobre todas essas questões. O que se 
discute é o direito democrático de seus integrantes participarem das 
manifestações.
Desde os primeiros atos do Movimento Passe Livre, 
duas semanas atrás, os partidos tiveram direito de estar presente. No 
Rio, foi assim há quatro dias. Se outros chegaram ontem, é também seu 
direito, porque inexiste veto dos organizadores dos protestos, onde se 
sabe quem são eles.
Como se disseminou um robusto sentimento 
antipartidos, sobretudo na classe média, os neonazistas capitalizam 
frustrações e comandam os ataques. É legítimo rejeitar siglas, tomar 
distância delas e derrotá-las nas urnas. Impedir sua expressão é mania 
de ditaduras.  Além de ser irônico que determinadas agremiações, cuja 
militância foi decisiva na construção do movimento contra o reajuste das
 tarifas, sejam agora reprimidas.
Não deixa de ser curioso: quem 
protesta contra algumas covardias policiais agride covardemente quem não
 concorda com suas ideias. A faixa “Meu partido é meu país” é tão 
legítima como a do partidinho mais mequetrefe. Todos têm direito de se 
manifestar.
Em 1935, o presidente Getulio Vargas colocou na 
ilegalidade uma frente de esquerda, a Aliança Nacional Libertadora. Com o
 golpe de 37, instaurando a ditadura do Estado Novo, baniu o centro, a 
direita e a extrema direita. Em 47, a Justiça cassou o registro do PCB, e
 no ano seguinte seus parlamentares, eleitos pelo voto popular, tiveram 
os mandatos cassados.
A ditadura implantada em 1964 aboliu os 
partidos do regime democrático restabelecido em 1945-46, inclusive 
aqueles, como UDN e PSD, que colaboraram para a deposição do presidente 
constitucional João Goulart, cuja base tinha entre outros o PTB e o PSB.
Durante
 aquele tempo de trevas, a ditadura descaracterizou o Congresso, impondo
 cerca de uma centena de cassações de deputados e senadores do MDB. 
Triturou a Frente Ampla de Jango, Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek.
As
 ditaduras, do Estado Novo à de 1964-85, mataram militantes que 
batalhavam pelo direito de existência e expressão de partidos. Eles são 
mártires da democracia e do país.
A União Nacional dos Estudantes,
 outro alvo da malta, teve um presidente, Honestino Guimarães, 
assassinado pela ditadura. A ditadura que matou e sumiu com o corpo do 
líder estudantil, em 1973, impedia a livre organização partidária. 
Trucidava quem queria se organizar.
Essa mesma ditadura sofreu uma
 derrota dura com a formação da CUT, em 1983. As outras centrais 
sindicais são igualmente legais e legítimas, simpatizemos ou não com 
elas. Em 1979, o operário Santo Dias foi assassinado com um tiro da 
polícia. É a memória de gente como ele que é insultada quando 
fascistoides proíbem os sindicalistas de se manifestar. Como no Rio, 
rasgando seus panfletos.
É impressionante que certos analistas 
políticos vibrem com a pancadaria contra bandeiras partidárias, mas não 
apresentem uma só restrição às ações neonazistas. Impressiona, mas não 
surpreende: eles apoiaram a ditadura, a intolerância está em seu DNA.
Condenável
 é partido aparelhar movimentos e protestos, impondo sua agenda 
particular às reivindicações coletivas. Isso é partidarismo. Mas a 
presença de agremiações políticas é uma tradição democrática, e muito o 
Brasil deve a elas. Esqueceram que na Campanha das Diretas (1984) e no 
Fora, Collor (92) as bandeiras tremulavam nos comícios? Nos palanques, 
uniam-se dirigentes de partidos para todos os gostos e muita gente que 
não ia com a cara deles, mas estava unida para melhorar o Brasil.
Os
 que aplaudem a massa reprimindo militantes, tendo na “vanguarda” 
neonazistas, têm partido, sim: o Partido da Intolerância, o Partido do 
Ódio. Já vimos esse filme.
Os provocadores que espalham a baderna,
 fração ultraminoritária das manifestações, não são os militantes 
partidários, mas os skinheads, alguns ditos punks e outros ditos 
anarquistas, que de anarquistas nada têm. Os militantes partidários não 
promoveram vandalismo, mas foram alvo deles _tomar, rasgar e queimar 
bandeira é ato de vândalo.
Os protestos em curso, que arrancaram 
bravamente a redução das tarifas dos transportes públicos, exibem 
algumas características novas. Uma delas é que reúnem no mesmo evento 
quem, em 1964, participaria da Marcha da Família, de direita, e em 1968,
 da passeata dos 100 Mil, dirigida pela esquerda, contra a ditadura. Daí
 que o ódio dos neonazistas encontre ressonância.
Quem não tem 
legitimidade para participar dos atos são essas facções que ontem 
agrediram os militantes políticos, sindicais, estudantis e sociais. São 
os herdeiros da Ação Integralista Brasileira, a tradução tupiniquim para
 o nazismo de Hitler e o fascismo de Mussolini, na década de 1930.
É
 legítimo amar e odiar os agredidos de ontem. Nada mais natural do que 
achar que um e outro são oportunistas _o que não falta no mundo é 
oportunista. Mas quem não gosta de partido é ditadura.


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